domingo, 25 de abril de 2010

CENAS DA VIDA REAL

A ÁGUA COADA

Foi com alguma tristeza e preocupação que o jovem alferes recebeu a notícia da sua transferência para uma pequena cidade de província, onde iria permanecer por tempo indeterminado.
O seu vencimento não lhe permitiria alojar-se num hotel – que, muito provavelmente nem existiria na cidade.
Em conversa com camaradas que já lá haviam estado, tomou conhecimento de que era habitual algumas famílias disponibilizarem quartos que alugavam aos jovens oficiais. Desse modo, ao chegar à cidade, levava consigo as moradas de duas ou três famílias que alugavam quartos.
Deu uma volta pelas ruas indicadas e escolheu a que lhe pareceu com melhor aspecto.
Tratava-se da residência duma senhora viúva e sua filha, de condição modesta mas educadas e simpáticas.
Depois de visto o quarto que era bastante acolhedor e acertado o preço, o jovem apressou-se a trazer a sua reduzida bagagem para a sua nova “morada”.
A dona da casa mostrou-lhe a casa de banho que ficava contígua ao quarto de dormir, frisando que "o senhor alferes pode estar perfeitamente à vontade porque eu e a minha filha usamos um outro quarto de banho”.
Óptimo – pensou o alferes – pelo menos tenho privacidade. E logo ali dispôs os seus utensílios de higiene.
Como a maioria das casas da cidade, também aquela não possuía água quente canalizada.
Para os banhos existia, colocado ao meio da banheira, suspenso do tecto, um balde com um chuveiro incorporado, como creio que ainda se usam no campismo selvagem (fora dos parques).

Esses “baldes-chuveiro” têm na base uma torneira para fechar e abrir a água. Enchem-se com água à temperatura desejada e quando se vai tomar o banho roda-se a torneira para a água correr e molhar o corpo.
O nosso jovem alferes mostrou ao “impedido” onde era a casa de banho, recomendando-lhe que a x horas lhe preparasse a água para o banho, que ele tomaria logo que chegasse a casa.
E de seguida podia ir-se embora.
As ordens foram cumpridas.
Quando o alferes entrou na casa de banho e se dirigiu à banheira, verificou que a mesma tinha água no fundo. Abrindo a torneira do “balde-chuveiro” não escorreu nem uma gota. Pensou para consigo:
- O rapaz não percebeu que devia colocar a água dentro do balde. Amanhã tenho que lhe explicar como deve fazer.
No dia seguinte, quando o alferes começava a explicar os passos a dar para a preparação do banho, frisando que ele deveria ter em atenção a torneira, que tinha que ficar fechada, o pobre rapaz, com ar de espanto, exclamou:
- Então a torneira é para ficar fechada?!!! Ontem eu até pensei:
- Mas porque será que o nosso alferes quer a água do banho coada?

Mariazita, Abril de 2010

( Gostaria que me acompanhasse na minha homenagem ao “25 de Abril” em OLHAI OS LÍRIOS DO MACUÁ )

domingo, 18 de abril de 2010

LUZ E ESCURIDÃO

O MENINO QUE TROUXE LUZ AO MUNDO DA ESCURIDÃO

Um dia um menino de três anos estava na oficina do Pai vendo-o fazer arreios e selas. Quando crescesse queria ser igual ao Pai.
Tentando imitá-lo, agarrou um instrumento pontiagudo e começou a bater numa tira de couro.
O instrumento escapou da pequena mão, atingindo-o no olho esquerdo.
Logo de seguida uma infecção atingiu o olho direito, e o menino ficou totalmente cego.
Com o passar do tempo, embora se esforçasse para se lembrar, as imagens foram gradualmente desaparecendo, e em breve ele não se lembrava mais das cores.
Aprendeu a ajudar o Pai na oficina, trazendo ferramentas e peças de couro.
Ia para a escola e todos se admiravam da sua memória.
Na verdade ele não estava feliz com os seus estudos. Queria ler livros, escrever cartas, como os seus colegas.
Um dia ouviu falar de uma escola para cegos.
Aos dez anos Louis chegou a Paris levado pelo Pai, e matriculou-se no Instituto Nacional para crianças cegas.
Ali havia livros com letras grandes, em relevo.
Os estudantes sentiam, pelo tacto, as formas das letras, e aprendiam as palavras e frases.
Logo o jovem Louis descobriu que era um método limitado. As letras eram muito grandes. Uma história curta enchia muitas páginas.
O processo de leitura era muito demorado.
A impressão de tais volumes era muito cara.
Em pouco tempo o menino tinha lido tudo o que havia na biblioteca. Queria mais.
Como adorava música tornou-se estudante de piano e violoncelo.
O amor à música aguçou o seu desejo pela leitura. Queria ler também notas musicais.
Passava noites acordado, pensando em como resolver o problema.
Ouviu falar de um capitão do exército que tinha desenvolvido um método para ler mensagens no escuro.
A escrita nocturna consistia em conjuntos de pontos e traços em relevo no papel.

Os soldados podiam, correndo os dedos sobre os códigos, ler sem precisar de luz.
Ora, se os soldados podiam, os cegos também podiam – pensou o garoto.
Procurou o capitão Barbier que lhe mostrou como funcionava o método:
Fez uma série de furinhos numa folha de papel com um furador semelhante ao que cegara o pequeno Louis.
Noite após noite e dia após dia Louis trabalhou no sistema de Barbier, fazendo adaptações e aperfeiçoando-o. Suportou muita resistência.
Os donos do Instituto tinham gasto uma fortuna na impressão dos livros com as letras em relevo. Não queriam que tudo fosse por água abaixo.
Com persistência, Louis Braille foi mostrando o seu método. Os meninos do Instituto interessavam-se. À noite, às escondidas, iam ao seu quarto para aprender.
Finalmente, aos vinte anos de idade, Louis chegou a um alfabeto legível, com combinações variadas, de um a seis pontos.
O método Braille estava pronto.
O sistema permitia também ler e escrever música.
A ideia acabou por encontrar aceitação.
Semanas antes de morrer, no leito do hospital Louis disse a um amigo:
- Tenho a certeza que a minha missão na terra terminou.
Louis Braille faleceu dois dias depois de completar 43 anos.

Nos anos seguintes à sua morte o método espalhou-se por vários países.
Finalmente foi aceite como método oficial de leitura e escrita para invisuais.
Assim, os livros puderam passar a fazer parte da vida dos cegos.
Tudo graças a um menino imerso em trevas, que dedicou a sua vida a fazer luz para enriquecer a sua vida e a de todos que se encontram privados da visão.

Há quem use as suas limitações como desculpa para nada fazer.

Louis Braille nasceu a 4 de Janeiro de 1809, em Coupvray, França; faleceu a 6 de Janeiro de 1852.


Autor: William J. Bennett – Livro das Virtudes II, Capítulo “O menino que trouxe luz ao mundo da escuridão”
William J. Bennett

William John Bennett, (nasceu dia 31 de julho de 1943 - ), político estadunidense, foi Secretário de Educação dos Estados Unidos da América, entre 1985 a 1988.

domingo, 11 de abril de 2010

SAUDOSA ÁFRICA DISTANTE (3/01)

CHEGADA À "LUA"

Após uma viagem de uma semana num “mar de azeite”, como dizem os marinheiros, aproximamo-nos do nosso destino.

Ao longe, apenas se vislumbravam umas sombras esfumadas no horizonte.
Agora, que estamos relativamente perto, a paisagem torna-se nítida – montes escalvados, de cor avermelhada, sem vestígios de vegetação, uma verdadeira paisagem lunar.

Temos a sensação de que estamos a chegar à lua!

Depois das manobras habituais, que nos parecem infindáveis, finalmente o navio encosta ao cais.
Com a bagagem de camarote há muito preparada, as três crianças controladas, apressamo-nos a descer o portaló.

O cais fervilha de gente, na sua maioria naturais da terra, táxis buzinando, um burburinho tremendo.
Finalmente pomos pé em terra.

Após beijos e abraços efusivos, - que as saudades já eram muitas – aguardamos o carro que nos transportará para casa.

Ao meu lado, um autóctone, de pé, vê de repente um carro passar muito perto, chegando mesmo a roçar-lhe o corpo. Recuando de um salto, com receio de que o pneu lhe passasse em cima do pé descalço, grita, assustado:
- Ai nha pé!
Este é o meu primeiro contacto com a linguagem local.

O “nha”, que significa meu ou minha ( nha pai, nha mãe) irá fazer parte do meu dia-a-dia durante os próximos dois anos.

Vamos então p’ra nha casa!

Situada num ponto elevado, a moradia, acompanhada à esquerda e à direita por outras casas igualmente independentes, tem na parte da frente um arremedo de jardim, com uma ou outra planta enfezada, que, durante os dois anos da minha permanência aqui, irei, teimosamente, tentar recuperar.
Luta inglória! O ar é extremamente seco, com ventos fortes nove meses por ano, a falta de água é enorme; mesmo regando-as todos os dias, a terra absorve completamente a água muito para além se onde as raízes a possam alcançar.
Apesar de todos os esforços, o meu jardim nunca deixou de ter este aspecto desértico.

Em frente, do lado de lá da estrada, há um vasto espaço coberto de terra vermelha, que termina num declive em direcção ao mar.

Da porta de casa, à qual se acede subindo três degraus de pedra, avista-se, não muito ao longe, o mar, vindo do qual se pode sentir, em certos dias, o cheiro a maresia.

Algum tempo depois de aqui estar irei assistir a verdadeiras batalhas campais travadas entre grupos de cães, provavelmente inimigos, nesse espaço existente em frente à casa.
Sem qualquer aviso prévio, uns chegam da direita, outros aproximam-se pela esquerda, acabando por juntar-se no centro do terreno.
Entre ladridos e rosnares, engalfinham-se ferozmente, levantando incríveis nuvens de poeira vermelha que chega a escurecer o céu.
Depois de alguns minutos de luta abandonam o campo de batalha, retrocedendo cada grupo pelo mesmo caminho por onde chegara.
Da refrega, felizmente, não resultam mortos; apenas alguns ferimentos se revelam nas pernas que vão manquitando no regresso ao lar.

Nunca consegui descobrir por que razão, de tempos a tempos, se envolviam em contenda.
Certo é que, chegará o dia em que também eu regressarei ao local de partida, sem que eles tenham resolvido os seus diferendos.

Mas, por agora, há que nos instalarmos na que vai ser a nossa moradia durante os próximos dois anos.
Não se trata de nenhum palácio, mas, depois de arrumada a nosso gosto, ornamentada com objectos que nos acompanharam, torna-se bastante confortável.

Tudo leva a crer que, aqui, pelo menos, viveremos em paz, perspectiva por demais aliciante para quem passou os últimos cinco anos em clima de guerra.

domingo, 4 de abril de 2010

O SERMÃO DA MONTANHA

O SERMÃO DA MONTANHA
(Versão para educadores)

Naquele tempo, Jesus subiu a um monte seguido pela multidão e, sentado sobre uma grande pedra, deixou que os seus discípulos e seguidores se aproximassem. Ele os preparava para serem os educadores capazes de transmitir a lição da Boa Nova a todos os homens.

Tomando a palavra, disse-lhes:
- Em verdade, em verdade vos digo: Felizes os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus. Felizes os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados. Felizes os misericordiosos, porque eles...
Pedro o interrompeu:
- Mestre, vamos ter que saber isso de cor?
André disse:
- É p’ra copiar no caderno?
Filipe lamentou-se:
- Esqueci meu papiro!
Bartolomeu quis saber:
- Vai cair na prova?
João levantou a mão:
- Posso ir ao banheiro?
Judas Escariotes resmungou:
- O que é que a gente vai ganhar com isso?
Judas Tadeu defendeu-se:
- Foi o outro Judas que perguntou!
Tomé questionou:
- Tem uma fórmula p’ra provar que isso está certo?
Tiago Maior indagou:
- Vai valer nota?
Tiago Menor reclamou:
- Não ouvi nada, com esse grandão na minha frente.
Simão Zelote gritou, nervoso:
- Mas porque é que não dá logo a resposta e pronto1?
Mateus queixou-se:
- Eu não entendi nada, ninguém entendeu nada!
Um dos fariseus, que nunca tinha estado diante de uma multidão nem ensinado nada a ninguém, tomou a palavra e dirigiu-se a Jesus, dizendo:
- Isso que o senhor está fazendo é uma aula? Onde está o seu plano de curso e a avaliação diagnóstica? Quais são os objetivos gerais e específicos? Quais são as suas estratégias para recuperação dos conhecimentos prévios?
Caifás emendou:
- Fez uma programação que inclua os temas transversais e atividades integradoras com outras disciplinas? E os espaços para incluir os parâmetros curriculares gerais? Elaborou os conteúdos conceituais, processuais e atitudinais?
Pilatos, sentado lá no fundão, disse a Jesus:
- Quero ver as avaliações da primeira, segunda e terceira etapas e reservo-me o direito de, ao final, aumentar as notas dos seus discípulos para que se cumpram as promessas do Imperador de um ensino de qualidade. Nem pensar em números e estatísticas que coloquem em dúvida a eficácia do nosso projeto.
E vê lá se não vai reprovar alguém! Lembre-se que você ainda não é professor titular…
Jesus deu um suspiro profundo, pensou em ir à sinagoga e pedir aposentadoria proporcional aos trinta e três anos. Mas, tendo em vista o fator previdenciário e a regra dos 95, desistiu.
Pensou em pegar um empréstimo consignado com Zaqueu, voltar p’ra Nazaré e montar uma padaria…
Mas olhou de novo a multidão. Eram como ovelhas sem pastor… Seu coração de educador se enterneceu e Ele continuou:
- “Felizes vocês, se forem desrespeitados e perseguidos, se disserem mentiras contra vocês por causa da Educação. Fiquem alegres e contentes porque será grande a recompensa no céu. Do mesmo modo perseguiram outros educadores que vieram antes de vocês”.
Tomé, sempre resmungão, reclamou:
- Mas só no céu, Senhor?
- Tem razão, Tomé – disse Jesus – há quem queira transformar minhas palavras em conformismo e alienação… Eu lhes digo NÃO! Não se acomodem. Não fiquem esperando, de braços cruzados, uma recompensa do Além. É preciso construir o Paraíso aqui e agora, para merecer o que vem depois…
E Jesus concluiu:
- Vocês, meus queridos educadores, são o sal da terra e a luz do mundo…

Professor Eduardo Machado


Professor Eduardo Machado, professor de profissão, é natural de
Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil
Outubro 2009